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25 de Abril de 2024
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    Reserva de vagas de emprego para detentos (Lei Municipal nº 5.496/2012)

    O Município do Rio de Janeiro, em atendimento a nova Lei nº 5.496/20121, passou a exigir em seus editais que as sociedades empresariais interessadas em contratar serviços de conservação e construção civil, deverão reservar cinco por cento de suas vagas de emprego para admissão de detentos em cumprimento de pena no regime semi-aberto.

    O dispositivo legal coaduna-se com medidas de outros

    1 Art. 1º As empresas contratadas pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro para a prestação de serviços nas áreas de conservação e construção civil ficam obrigadas a reservar no mínimo cinco por cento de suas vagas para admissão de detentos em cumprimento de pena no regime semi-aberto.

    § 1º O cálculo percentual para o cumprimento da cota mínima, abrangerá todo o período de execução do serviço ou da obra contratada.

    § 2º O Edital de Licitação para contratação das empresas indicará este requisito como necessário.

    Art. 2º As empresas que ao final da obra ou do serviço não comprovarem o cumprimento da obrigatoriedade prevista no art. 1º ficarão impedidas de contratarem com a Prefeitura pelo prazo de um ano.

    Art. 3º As empresas contratadas providenciarão junto à Secretaria de Estado de Administração Penitenciária o cadastro de detentos em regime semi-aberto para seleção de pessoal.

    Art. 4º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

    órgãos da Administração Pública que já adotaram a obrigatoriedade de reserva. Em síntese, o objetivo da norma é fomentar a reinserção social dos detentos do regime semi-aberto, na medida em que sua inclusão ao mundo do trabalho é a forma mais eficiente para sua recuperação e re-socialização.

    De fato as estatísticas do sistema prisional comprovam a dificuldade de re-inserção destes detentos no mercado de trabalho, o que gera e aumenta a reincidência da prática delituosa. Logo, abrindo-se o mercado de trabalho espera-se que o detento retorne ao mundo exterior, participando de atividades educacionais, obtendo convívio com grupos que guardam valores morais e sociais salutares, em consonância com o inciso III do artigo 122 da Lei de Execucoes Penais.

    Não dando espaço a preconceitos e discriminações, insta esclarecer que o condenado que se encontra no regime semi-aberto, fase intermediaria da execução penal, cometeu delito de gravidade mediana e o tratamento penitenciário, deve ser menos rigoroso. Do mesmo modo que a progressão do regime fechado para o semi-aberto significa também que o condenado, adquiriu hábitos satisfatórios e o mérito de sua conduta indica na oportunidade um voto de confiança, ao passo do labor proporcionar a remição de sua pena.

    Não obstante o cunho social e os prováveis benefícios que surgirão com o advento da norma jurídica em comento, o legislador pecou em sua elaboração, visto que o texto contém

    defeitos de técnica legislativa ao empregar termos indefinidos e imprecisos, em detrimento àquelas expressões fundamentais já bem definidas no artigo da Lei nº 8.666/93, bem como, permite interpretações subjetivas, a saber:

    Das atividades de conservação e construção civil

    A primeira indefinição relaciona-se com a restrição às atividades de conservação e construção civil, evidente que o legislador pretendeu limitar a determinado seguimento empresarial a obrigatoriedade de reserva de vagas aos detentos no sistema de regime semi-aberto.In casu, não se pode confundir ramo empresarial de conservação e construção civil com as atividades especificas de conservação e construção civil, tratando-se este apenas como um eventual serviço a ser executado por meio de contrato administrativo, enquanto aquele se trata do objeto social da empresa, o seguimento empresarial que desenvolve.

    Explicando melhor, na justificativa do Projeto de Lei pretendeu-se abarcar as empresas do ramo de conservação e construção civil, independente da atividade que viesse a desenvolver para o Município, v.g., a empresa de construção civil que viesse a executar, eventualmente, atividade de locação de mão-de-obra estar-se-ia obrigada a cumprir com a norma ora comentada.

    Todavia, o texto legal sancionado, não seguiu o projeto inicial, de forma objetiva estabelece que apenas os contratos administrativos para execução das atividades de conservação e construção civil estão adstritos a cumprir os comandos da Lei Municipal.

    Contudo, ainda assim há imprecisões no texto legal!

    A atividade conservação é definida no inciso II do artigo da Lei nº 8.666/93, como uma espécie do gênero serviço, logo a nova Lei não pode sofrer interpretações extensivas, sob pena de afetar a norma geral estabelecida pela Lei Ordinária de abrangência Nacional. Neste sentido é vedada a inclusão de serviços de manutenção, reparação e adaptação, que da mesma forma são espécies de um gênero mais amplo.

    Acerca da atividade construção civil, ao parece o legislador municipal ao utilizar a expressão construção civil teve a finalidade de atingir qualquer espécie de obra pública, noutros termos, independente de ser obra ou serviço de engenharia a empresa contratada deverá cumprir com o comando legal.

    O termo construção civil, hodiernamente, possui um significado mais amplo, ao passo de compreender as atividades de praticar o acto de construir ou fazer, enquanto que o termo engenharia consiste na ciência de adquirir e aplicar os conhecimentos matemáticos, técnicos e científicos na criação, aperfeiçoamento e implementação de utilidades para o homem.

    Nesta esteira, constata-se que o legislador municipal não quis fazer distinção de obras e serviços de engenharia, em verdade, estabeleceu que sendo obras públicas impõe-se a reserva de vaga para detentos no regime semi-aberto.

    Destarte, a atividade de conservação deve ser interpretada de forma restrita, haja vista que é vedado ao ente Municipal legislar sobre normas gerais de contrato administrativo, consoante o que dispõe o inciso XXVII do artigo 22 da Constituição da Republica Federativa do Brasil. Em sentido contrário a atividade construção civil deve ser interpretada de forma ampla, considerando a expressão como gênero de obras e serviços de engenharia.

    Do número de vagas

    O artigo 1º da Lei Municipal em comento dispõe que as sociedades empresariais estão obrigadas a reservar cinco por cento das vagas para admissão de detentos.

    Em que pese o dispositivo legal não dispor de forma expressa, compreende-se que nas hipóteses em que a execução do objeto contratado demandar menos de vinte vagas de postos de trabalho as sociedades empresarias estarão dispensadas do cumprimento da norma legal, em virtude da inexigibilidade implícita nos termos da Lei.

    Em verdade, o legislador municipal perdeu a oportunidade de ter estabelecido critérios objetivos, como já fizeram outros órgãos da Administração Pública, exemplificando o Conselho Nacional de Justiça, por intermédio da Recomendação nº 29, de 16 de dezembro de 2009, aconselhou que os Tribunais Pátrios adotassem a medida ora imposta por este Município, porém detalhou o numero de vagas, objetivamente, a saber:

    Resolve:

    Recomendar aos Tribunais que incluam nos editais de licitação de obras e serviços públicos exigência para a proponente vencedora, quando da execução do contrato, disponibilizar vagas aos presos, egressos, cumpridores de penas e medidas alternativas e adolescentes em conflito com a lei, ao menos na seguinte proporção: I - 5% (cinco por cento) das vagas quando da contratação de 20 (vinte) ou mais trabalhadores;II - 01 (uma) vaga quando da contratação de 06 (seis) e a 19 (dezenove) trabalhadores, facultada a disponibilização de vaga para as contratações de até 5 trabalhadores.

    As vagas geradas em razão da presente recomendação devem ser registradas no Portal de Oportunidades do Projeto Começar de Novo.

    Observe-se que o Conselho Nacional de Justiça teve o cuidado de especificar a quantidade de reserva de vagas quando o número de trabalhadores é inferior a 20 (vinte), posto que o resultado do cálculo aritmético, por óbvio, não é capaz de proporcionar alocação de vagas.

    Outro aspecto que deve ser levado em consideração, que o número de vagas refere-se ao número de trabalhadores diretos e indiretos, quer dizer, inclui-se aqueles em que os serviços são terceirizados, em outras palavras, todos os trabalhadores envolvidos na consecução do objeto contratado servirão como base para cálculo do número de vagas para detentos. Neste contexto, por conseqüência, as sociedades empresarias deverão exigir dos subcontratados que do mesmo modo reservem vagas para detentos, em cumprimento a norma municipal.

    Conclui-se, portanto, que não havendo 20 (vinte) ou mais trabalhadores as sociedades empresarias estão dispensadas de cumprir com os comandos legais, por outro lado, não se pode olvidar que os trabalhadores indiretos ou terceirizados deverão servir como base de cálculo do número de vagas para detentos do regime semi-aberto.

    Da previsão em edital

    O § 2º da Lei ora comentada estabelece que o edital de Licitação para contratação das empresas indicará como requisito necessário a reserva de vagas para detentos no regime semi-aberto.

    Data vênia máxima, mais uma vez depara-se com erro crasso de técnica legislativa, levando-se a crer que a legislação municipal divorciou-se dos conceitos e institutos do Direito Administrativo, visto que, ao que parece utilizou o termo EDITAL como gênero das espécies de ato convocatório.

    Tal asserção consubstancia-se em razão que o termo, edital, em sentido estrito, refere-se ao ato convocatório das modalidades de licitação, exclusive a modalidade convite, cujo ato convocatório é designado carta-convite.

    Sendo assim, dependendo da interpretação dada ao dispositivo legal, incluir-se-á a obrigatoriedade de reserva de vagas a todas as modalidades de licitação, no entanto, se aplicar uma interpretação restritiva, a contratação por meio da modalidade convite não obriga as sociedades empresarias assegurar reserva de vagas para detentos no regime semi-aberto.

    No mesmo parágrafo, cabe destacar que é norma cogente a obrigatoriedade de conter nos editais como requisito necessário para contratação a disponibilização de vagas para detentos do regime semi-aberto.

    Noutras palavras, não se trata de um ato discricionário do Administrador Público, ao revés é um dever vinculado a nova legislação, impondo-se o cumprimento sob pena de inaplicabilidade dos princípios da isonomia e da legalidade, caracterizando improbidade administrativa.

    A par do exposto, conclui-se que, não obstante as imprecisões contidas no dispositivo legal, as sociedades empresarias contratadas, sob a égide da hermenêutica extensiva, estão obrigadas a cumprir com a nova legislação municipal, independente da modalidade de licitação que participou, por outro lado, o Administrador Público tem o dever de exigir da contratada a reserva de vagas para detentos nas contratações dos serviços de conservação e construção civil.

    Da sanção a ser aplicada por descumprimento da norma

    Concessa vênia, cabe repisar, o legislador municipal afastou-se das técnicas legislativas no que concerne ao Direito Administrativo, na medida em que cria impedimento de contratar com o Município a sociedade empresaria que não cumprir com o comando legal da nova Lei.

    Ocorre que, nas contratações governamentais os impedimentos são elencados no artigo da Lei nº 8.666/93 e tratam-se de normas de caráter geral, vedado ao ente Municipal legislar sobre a matéria, destarte é inconstitucional o impedimento previsto na Lei ora comentada, pois afronta o inciso XXVII do artigo 22 da Constituição da Republica Federativa do Brasil.

    Nesta toada já julgou o STF:

    O artigo da Lei nº 8.666/93 é dotado de caráter geral, visto que confere concreção aos princípios da moralidade e da isonomia. Logo, como norma geral que é, vincula os órgãos da Administração Direta e Indireta dos Estados, Distrito Federal e dos Municípios e autarquias, as fundações públicas e as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta e indiretamente pelos Estados-membros, pelo Distrito Federal e pelos Municípios. (...) 2

    O correto seria a Lei Municipal prever aplicação da sanção de suspensão temporária de licitar com o Município, prevista no inciso III do artigo 87 da Lei nº 8.666/93.

    2 ADIn nº 3.158-9, DJ de 20.04.2005 Min. Eros Grau

    O artigo 2º da nova Lei merece ser alterado, deixando de criar impedimento e passando a prever a sanção de suspensão temporária do direito de licitar, com o desiderato de obstar que decisões judiciais ulteriores impeçam a aplicabilidade da punição pretendida, que ao nosso ver serve como instrumento de coação e estimulo para aplicação da Lei.

    Outro equivoco é a previsão que a constatação de descumprimento da norma dar-se-á apenas no final da execução do serviço ou da obra, em verdade, é dever do agente público, gestor do contrato, fiscalizar a cumprimento legal durante a consecução do objeto contratado, portanto, não deve esperar o término da contratação para punir a sociedade empresaria, já que é imperioso ato preventivo.

    Concluindo-se, embora merecedoras as críticas aludidas ao texto da nova legislação municipal, acredita-se que ao longo do tempo os próprios empresários incorporarão o sentido solidário e social da norma, passando a oferecer vagas aos detentos, auxiliando o Estado na re-socialização daqueles que um dia prejudicaram a sociedade e foram condenados por seu ato.

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